Receba o Informativo por email




Atrasos de vôos também são indenizáveis

Muito antes dos transtornos com o chamado “apagão aéreo”, as pessoas que viajam de avião já conviviam com outros problemas do setor como os atrasos de vôos e extravios ou perdas de bagagem. É possível medir a responsabilidade civil do transportador quando esses incidentes acontecem? Qual é o dever da empresa de aviação nesses casos? O Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado?

As respostas para essas questões estão em diversas decisões do STJ. Os pedidos de indenização por danos materiais e morais contra as empresas de aviação estão frequentemente na pauta de julgamentos da 3ª e 4ª Turmas. Os ministros aplicam a chamada Convenção de Varsóvia e atualmente o Código de Defesa do Consumidor para punir possíveis abusos cometidos na prestação dos serviços de transporte aéreo.

Convenção de Varsóvia: o que é isso? Se você viaja de avião e já leu o contrato de transporte aéreo da companhia escolhida, ela vai estar lá: a Convenção de Varsóvia, documento que ganhou esse nome por ter sido assinado na capital da Polônia, Varsóvia, em 1929.

Essa convenção unificou as regras relativas à aviação civil internacional e estabelece, entre outros deveres, a responsabilidade da empresa transportadora em caso de danos ao passageiro, bagagem e carga ocorridos durante a execução do transporte entre dois ou mais países: “A reparação dos danos no transporte internacional obedece aos limites estipulados nas Convenções Internacionais (Convenção de Varsóvia e legislação posterior) de que o Brasil faça parte. Os valores estabelecidos nesses atos internacionais serão convertidos em moeda nacional, na forma da regulamentação em vigor.”

Por isso, os processos envolvendo pedidos de indenização por danos morais e materiais ocorridos em viagens de avião internacionais geralmente são decididos com base nos valores estipulados pela Convenção de Varsóvia.

Quatro casos exemplares

1. Assim aconteceu no caso de uma médica (Resp nº 241005) que tinha um vôo marcado para Berlim, onde daria uma palestra sobre o tratamento da aids no Brasil. Após participar de congressos no Peru e na Colômbia, a médica seguiu para Miami, parte da escala de viagem. Lá, descobriu que o vôo da American Airlines havia sido cancelado.

Depois de passar várias horas trancada numa sala, a profissional embarcou, não para a Alemanha, mas para Chicago. De lá, enfim, a médica conseguiu chegar ao seu destino final, mas com um atraso de mais de cinco horas e sem as suas malas. A American Airlines extraviou a bagagem da passageira contendo documentos e remédios que seriam apresentados no congresso, além de objetos pessoais. A médica entrou com ação na Justiça paulista contra a empresa, exigindo a indenização estabelecida pela Convenção de Varsóvia. A legislação determina que a multa para atraso de vôo seja de até 4.150 DESs (Direito Especial de Saque) e para extravio da bagagem é de até 1.000 DES. Nos dias de hoje, a DES vale cerca de R$3,50.

A empresa área recorreu ao STJ para não pagar a indenização, alegando que o atraso do vôo aconteceu por causa de condições climáticas adversas. Entretanto a 4ª  Turma garantiu o direito da passageira ao ressarcimento do dano, nos valores estipulados pelo TJ de São Paulo.

2. Transtorno semelhante viveu o passageiro Paulo Roberto Bonavita (REsp nº 575486). Ele tentava voltar da África do Sul para o Brasil e o vôo atrasou cerca de 36 horas. A viagem estava marcada para 2 de outubro e foi cancelada por problemas mecânicos na aeronave da South African Airways. Os passageiros tiveram que aguardar por 12 horas até serem alojados em um hotel da capital sul-africana. No dia seguinte, o passageiro aceitou voar por outra companhia, mas, durante a escala nos Estados Unidos, ele foi mantido sob vigilância da polícia norte-americana por mais 12 horas - porque não tinha visto de entrada nos EUA.

A ação de indenização movida pelo passageiro foi aceita pela primeira instância do Rio de Janeiro. A South African Airways  foi condenada a reparar os danos morais em 50 salários mínimos. Ao julgar a apelação, o Tribunal fluminense acabou elevando o valor para 100 salários mínimos, além de incluir indenização por danos materiais. O TJ do Rio estipulou o valor dos danos morais conforme as normas do Código de Defesa do Consumidor. E dos prejuízos materiais, com base na indenização tarifada na Convenção de Varsóvia.

A companhia área recorreu ao STJ e os ministros entenderam que o passageiro realmente tinha direito à indenização. No entanto a 4ª  Turma considerou a condenação por danos morais desproporcional ao fato e fixou em R$ 5 mil o valor reparatório a ser pago pela transportadora.

3. Outro exemplo da aplicação do Código do Consumidor em prol do cidadão foi o que aconteceu no recurso de um passageiro contra a empresa Tower Air Incorporation. José Roberto Pernomian (Resp nº 235678) entrou com uma ação indenizatória por danos morais porque sua viagem de Miami para São Paulo atrasou mais de 24 horas. Além disso, a companhia teria prestado informações equivocadas sobre o atraso e também cometido erros na liberação da bagagem no Brasil.

O tribunal paulista reconheceu o dano moral no limite da Convenção de Varsóvia e condenou a empresa ao pagamento de 15 mil francos-poincaré. Mas o passageiro recorreu ao STJ para modificar a decisão. Ele pediu o afastamento da limitação de valores estabelecida na Convenção. Ao decidir em favor de José Roberto, os ministros do STJ enfatizaram que o limite estipulado nas convenções internacionais sobre transporte aéreo estaria em desacordo com o CDC, que tem regra expressa para proteger o passageiro do mau serviço prestado pelas empresas de aviação. Desse modo, a 4ª Turma estabeleceu uma indenização de 50 salários mínimos ao passageiro, baseando a decisão no CDC brasileiro.

4. Outra decisão em que o mesmo código foi utilizado envolveu um pedido de indenização feito pela Bradesco Seguros S/A (REsp nº 243972). A seguradora sofreu prejuízos decorrentes do extravio de peças de uma central telefônica adquiridas nos Estados Unidos. A carga foi entregue no aeroporto da cidade de San Francisco, mas não chegou ao seu destino (Guarulhos - SP).

A 3ª Turma do STJ condenou a American Airlines e a Circle Fretes Internacionais do Brasil a ressarcir a Bradesco Seguros, mas não aplicou a Convenção de Varsóvia. Os ministros entenderam que a convenção só deve ser utilizada em casos decorrentes do chamado risco do ar, como queda da aeronave, por exemplo. Para as situações de extravio de carga e bagagem o Código de Defesa do Consumidor é mais adequado. Desse modo, a Turma, por unanimidade, determinou o pagamento de indenização no valor integral da apólice paga pela seguradora. (Com informações do STJ).

Fonte: Espaço Vital